segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O anel dos Nibelungos


REPETIÇÃO é a nota-chave do corpo vital e o extrato do corpo vital é a alma intelectual, que é o pábulo do Espírito de Vida, o verdadeiro princípio de Cristo no homem. Como é trabalho específico do Mundo Ocidental desenvolver este princípio de Cristo para formar o Cristo interno, fazendo-o brilhar na escuridão materialista dos tempos atuais, a repetição de idéias é essencial. Inconscientemente, todo o mundo está obedecendo esta lei.
Quando os jornais começam a inculcar certas idéias na mente do público, não esperam consegui-lo através de um editorial apenas, mesmo que este seja muito bem redigido, mas com artigos repetidos diariamente, criando na mente dos leitores o sentimento desejado. A Bíblia vem pregando o princípio do amor há 2.000 anos, domingo após domingo, dia após dia, em centenas de milhares de púlpitos. A guerra ainda não foi abolida, mas o sentimento a favor da paz universal está ficando cada vez mais forte à medida que o tempo passa. Esses sermões têm causado apenas um leve efeito nas pessoas, embora um determinado público possa comover-se no momento da pregação, pois o corpo de desejos é a parte do homem que fica sensibilizada no momento.
O corpo de desejos é uma aquisição posterior à do corpo vital, daí não estar tão cristalizado e, conseqüentemente, ser mais impressionável. Por ser de uma textura mais sutil que o corpo vital, é menos retentivo, e as emoções facilmente geradas são também facilmente dissipadas. Um impacto menor é produzido no corpo vital quando idéias e ideais infiltram-se nele através do invólucro áurico, mas o que adquirir por intermédio de estudos, sermões, conferências ou leituras, é de natureza mais duradoura. Muitos impactos na mesma direção criam impressões poderosas para o bem ou para o mal, de acordo com suas naturezas.
Para que sejamos beneficiados por esta lei de impactos cumulativos, tomemos para objeto de estudo outro dos grandes mitos da alma, o qual projeta luz sobre o mistério da vida visto de um ângulo diferente, para que possamos aprender mais profundamente, de onde viemos, porquê estamos aqui e para onde vamos.
Como já foi dito, todos os mitos são veículos de verdades espirituais veladas sob alegorias, símbolos e quadros e, portanto, capazes de compreensão sem exigir o uso da razão. Como as histórias de fadas são uma forma de ensinamento para as crianças, assim estes grandes mitos foram usados para transmitir as verdades espirituais à humanidade infantil.
O Espírito-Grupo atua sobre os animais através de seus corpos de desejos; evocando quadros que dão ao animal um sentimento e uma sugestão do que deve fazer. Da mesma maneira, quadros alegóricos contidos nos mitos formaram no homem a base para seu desenvolvimento presente e futuro. Subconscientemente, estes mitos agiram sobre ele e o levaram ao estágio em que hoje se encontra. Sem essa preparação, o homem teria sido incapaz de realizar o trabalho que está fazendo agora.
Hoje, esses mitos ainda estão trabalhando para preparar-nos para o futuro, mas algumas pessoas sentem mais suas influências que outras. O caminho da civilização vem seguindo o curso do Sol, de leste para oeste, e na atmosfera etérica da costa do Pacífico, estes quadros míticos quase desapareceram, e o homem está contatando mais diretamente as realidades espirituais. Mais para o leste, especialmente na Europa, ainda encontramos a atmosfera de misticismo pairando sobre ela. Lá, o povo aprecia os mitos antigos que lhes falam de maneira incompreensível para os do oeste. Nos fiordes da Noruega, nos pântanos da Escócia, nos mais profundos recantos da Floresta Negra da Alemanha, e entre as Geleiras Alpinas, a vida espiritual do Povo é tão profunda e mística hoje, como o foi há mil anos atrás. Eles estão em contato mais direto com os Espíritos da Natureza e com outras realidades sentidas através das fábulas, do que nós que avançamos no caminho da aspiração pelo conhecimento direto. Se evocarmos este sentimento e o combinarmos com nosso conhecimento, teremos conseguido uma enorme vantagem. Tentemos, pois, assimilar uma das mais profundas histórias místicas do passado, que é "O Anel do Niebelungo", o grande poema épico do norte da Europa. Relata a história do homem, desde o tempo em que vivia na Atlântida até ao dia em que este mundo chegar ao fim por uma grande conflagração e também alude ao Reino dos Céus que será estabelecido, como é relatado na Bíblia.
A Bíblia fala-nos do Jardim do Éden, onde nossos primeiros pais viviam em contato direto com Deus, puros e inocentes como crianças. Fala-nos de como esta situação terminou, e de como a tristeza, o pecado e a morte chegaram ao mundo. Nos mitos antigos, como O Anel do Niebelungo, também tomamos conhecimento da humanidade que vivia sob condições iguais às da criança inocente. A cena de abertura deste drama de Wagner representa a vida sob as águas do Reno, onde as donzelas nadam em movimentos rítmicos, com uma canção nos lábios, imitando o balanço das ondas dançantes. As águas estão iluminadas por uma rocha de ouro reluzente e em redor dela circulam as Filhas do Reno, como os planetas se movem ao redor do Sol. Aqui temos a réplica micro-cósmica do macrocosmo, onde os corpos celestiais se movem ao redor do dador da Luz Central, numa majestosa dança circular.
As donzelas do Reno representam a humanidade primitiva durante a época em que vivíamos no fundo do oceano, na atmosfera densa e nebulosa de Atlântida. O ouro que iluminava a cena - como o Sol ilumina o universo solar - é uma representação do Espírito Universal que, então, pairava sobre a humanidade. Não víamos nada em contornos claros e precisos como vemos hoje os objetos ao nosso redor, mas nossa percepção interior em relação às qualidades da alma dos outros, era mais aguçada do que é agora.
O Espírito individual considera-se, ele próprio, um Ego e denomina-se "EU", em claro contraste com todos os outros, mas este princípio separatista não havia penetrado nos homens infantis da antiga Atlântida. Não tínhamos o sentimento do "eu" e "tu"; fazíamos parte de uma grande família, como filhos do Pai Divino. Não nos preocupávamos com o que comeríamos ou beberíamos, como as crianças de hoje não têm o encargo das necessidades materiais da vida. O tempo era vivido em grande divertimento e folguedos.
Mas, este estado não podia continuar ou então não haveria evolução. Como a criança cresce para tornar-se um homem ou uma mulher, para participar da batalha da vida, assim também a humanidade primitiva estava destinada a abandonar sua terra natal, nas terras baixas, e ascender através das águas da Atlântida quando estas se condensaram e inundaram as bacias da Terra. A humanidade em evolução passou a viver nas condições atmosféricas em que hoje vivemos, como foi dito sobre os antigos Israelitas que atravessaram o Mar Vermelho para entrar na Terra Prometida, e sobre Noé, que deixou sua terra natal quando as águas do dilúvio se precipitaram.
O mito nórdico conta-nos a história de um outro modo, mas embora o ângulo de visão seja diferente, os pontos principais da narrativa apontam as mesmas idéias essenciais. No Jardim do Éden, nossos primeiros pais não pensavam por si próprios. Obedeciam incondicionalmente qualquer ordem que lhes fosse dada pelos seus guias divinos, como uma criança em seus primeiros anos faz o que seus pais desejam, porque ela não tem consciência de si. Falta-lhe individualidade. Isto, de acordo com a história da Bíblia, foi conquistado quando Lúcifer imbuiu-os da idéia de que poderiam tornar-se iguais aos deuses e conhecer o bem e o mal.
No mito teutônico sabemos que Albérico, um dos Filhos da Névoa (Niebel é névoa, ung é criança ou filho - eram assim chamados porque viviam na atmosfera nebulosa da Atlântida), cobiçava o ouro que resplandecia com tanto brilho no Reno. Ouviu dizer que quem obtivesse o ouro e o transformasse num anel seria capaz de conquistar o mundo e dominar todos que não possuíssem o tesouro. Conseqüentemente, nadou até a grande rocha onde estava o ouro, agarrou-o e voltou rapidamente à superfície, perseguido pelas filhas do Reno, muito aflitas pela perda desse tesouro.
Quando Albérico, o ladrão, atingiu a superfície das águas, ouviu uma voz dizendo-lhe que ninguém poderia transformar o ouro num anel, como era exigido para dominar o mundo, a não ser que renegasse o amor. Ele o fez imediatamente e, em seguida, começou a roubar a Terra de seus tesouros, satisfazendo assim seu desejo de riqueza e poder.
Como foi dito antes, o ouro, enquanto está em seu estado informe sobre a rocha do Reno, representa o Espírito Universal que não é propriedade exclusiva de ninguém. Albérico representa o primeiro entre a humanidade que foi impelido pelo desejo de conquistar mundos novos. Primeiro, os homens foram vivificados pelo Espírito interno e emigraram para as terras altas. Mas, uma vez na atmosfera clara de Ariana - o mundo como o conhecemos hoje - viram-se clara e distintamente como entidades separadas. Cada um percebeu que seus objetivos eram diferentes; que, para ter êxito e conquistar o mundo para si, deveriam cuidar de seus próprios interesses sem considerar os dos outros. Assim, o Espírito traçou um anel em torno de si mesmo e tudo dentro desse anel era "eu" e "meu", uma concepção que o tornou antagônico aos outros. Por conseguinte, a fim de formar este anel e conservar um centro separado, foi-lhe necessário renunciar ao amor. Por isso, e somente por isso, ele pôde ignorar os interesses dos outros para poder prosperar e dominar o mundo.
Contudo, Albérico não é o único a desejar traçar um anel em torno de si com o propósito de conquistar o poder. "Como é em cima, assim é embaixo", e vice-versa, diz o axioma hermético- Os deuses também estão evoluindo. Eles também têm aspirações ao poder - um desejo de traçar um anel ao redor deles - pois há guerra no céu, do mesmo modo que há na Terra. Diferentes cultos procuram apropriar-se das almas dos homens, e suas limitações são também simbolizadas por anéis.
Capítulo IX
O ANEL DOS DEUSES
Ao apropriar-se de uma parte do ouro do Reno, que representa o Espírito Universal, e transformando-o em um anel, simbolizando que o Espírito não tem princípio nem fim, o Ego veio à existência como uma entidade separada. Dentro dos limites deste anel áurico, ele é regente supremo, auto-suficiente, ressentindo-se de qualquer intromissão em seus domínios. Assim, ele se coloca além do âmbito da fraternidade. A parábola do filho pródigo diz-nos que ele vagueou para longe do Pai, mas, mesmo antes de perceber que estava se alimentando dos resíduos da matéria, a religião surgiu para guiá-lo de volta ao seu lar eterno, para libertá-lo da ilusão e da desilusão próprias da existência material, para redimi-lo da morte que ocorre nesta fase da incorporação densa, e mostrar-lhe o caminho para a verdade e para a vida eterna.
No mito teutônico, as sentinelas da religião são representadas como deuses. Seu chefe é Wotan, que é idêntico ao Mercúrio latino, e Wotansday (dia de Wotan), ou Wednesday (quarta-feira) é assim chamado em sua honra. Freya, a Vênus da Noruega, era a deusa da beleza, que alimentava os outros deuses com maçãs douradas que preservavam-lhes a juventude. Friday (sexta-feira) é seu dia. Thor, o Júpiter dos escandinavos, dirige seu carro pelos céus e o barulho que se ouve é o trovão, e o relâmpago são as faíscas que voam de seu martelo quando golpeia seus inimigos. Loge é o nome do deus de Sábado. (Lorday em escandinavo, um derivado de lue que é o nome escandinavo para chama) Ele não é propriamente um dos deuses, mas é relacionado com os gigantes ou forças da natureza. Sua chama não é apenas a chama física, mas é também o símbolo da ilusão, e ele próprio é o espírito da fraude, às vezes, conseguindo os favores dos deuses e traindo os gigantes, outras vezes, enganando os deuses e ajudando os gigantes para favorecer seus próprios planos. Como Lúcifer, o flamejante Espírito de Marte, ele também é um espírito de negação, e alegra-se em obstruir a vida como o frio Saturno.
Há na mitologia nórdica uma referência a um culto ainda mais antigo, no qual as divindades da água eram adoradas, mas os deuses que mencionamos as substituíram, e diz-se que cavalgavam para o lugar do julgamento, todos os dias, sobre uma ponte de arco-íris, Bifrost. Assim, vemos que esta religião data do alvorecer da época presente, quando a humanidade emergiu das águas de Atlântida para a clara atmosfera de Ariana - na qual estamos vivendo agora - e onde contemplou o arco-íris pela primeira vez.
Foi dito a Noé, quando ele guiou a humanidade primitiva afastando-a do dilúvio, que, enquanto o sinal do arco-íris permanecesse nas nuvens, os ciclos alternantes de verão e inverno, noite e dia, não cessariam. O mito nórdico também nos mostra os deuses reunidos na ponte do arco-íris no princípio desta era. Ele e os deuses permanecerão até o momento em que termine esta fase de nossa evolução, um acontecimento que será mostrado para ser idêntico à descrição dada no Apocalipse Cristão e que o mito escandinavo ajudará a explicar.
A verdade é universal e ilimitada. Não conhece fronteiras, mas, quando o Ego envolveu-se num anel de veículos separados que segregou, o dos outros, esta limitação tornou-o incapaz de compreender a verdade absoluta. Portanto, uma religião incorporando a plenitude da verdade pura teria sido incompreensível para a humanidade e inadequada para ajudá-la. Como uma criança que vai para a escola e aprende algumas lições elementares no primeiro ano, preparando-se para enfrentar problemas mais complicados no futuro, assim foram dadas à humanidade religiões da mais primitiva natureza, a fim de educá-la para algo mais elevado através de estágios gradualmente fáceis.
Desta maneira, os sentinelas da religião, os deuses, são representados como desejosos de construir uma fortaleza murada para que possam entrincheirar-se por detrás dessa barreira e concentrar seus poderes contra a outra fé. O Espírito não pode ser limitado sem enredar-se no materialismo; portanto, os deuses, aconselhados por Loge, o espírito da fraude e da desilusão, fazem um pacto com os gigantes, Fafner e Fasolt (representando o egoísmo) para construir a muralha da limitação. Quando essa muralha cerca os deuses, eles perdem a luz universal e o conhecimento; em conseqüência, o mito deseja que parte do pagamento para os construtores do Valhal, sejam o Sol e a Lua.
Além disso, quando a religião limitou-se a ficar por detrás da muralha da crença, o espírito do declínio é apresentado; envelhece como uma vestimenta. Diz-se que Wotan (sabedoria ou razão), concordou em dar Freya, a deusa da beleza, aos gigantes, pois ela alimentava os deuses com suas maçãs douradas para preservar-lhes a juventude. Seguindo o conselho de Loge, o espírito da fraude, os deuses sacrificaram sua luz e seu conhecimento pela esperança da vantagem de uma eterna juventude. Como já foi dito, este procedimento era de certo modo necessário, senão a humanidade não poderia ter alcançado a verdade em sua plenitude, embora nós não possamos entendê-la, nem mesmo agora.
O poder espiritual da religião é simbolizado pela vara mágica de Arão na Bíblia, pela lança de Parsifal. no mito do Graal, e pela lança de Wotan na história dos Niebelungos. Para firmar o pacto com os gigantes, caracteres mágicos foram talhados no cabo da lança, que assim ficou enfraquecida e, deste modo, fica demonstrado que a religião perde em poder espiritual o que ganha em aspecto material, quando faz um pacto com os governantes do mundo e estabelece intrigas satisfazendo os mais baixos anseios.
De acordo com os ensinamentos dos nórdicos, apenas os que morriam combatendo adquiriam o direito de serem conduzidos ao Valhal. Wotan nada deseja, a não ser guerreiros fortes e poderosos. Os que morriam de enfermidades ou em paz em seus leitos eram condenados ao reino do inferno, o submundo. Isto também encerra uma grande lição, pois ninguém, a não ser os persistentes e os destemidos, que passam seus dias lutando a batalha da vida até o último alento, são dignos de progresso. Os ociosos, que preferem a comodidade e a paz ao trabalho do mundo, não têm direito à promoção na escola da vida. Não importa onde trabalhemos ou qual seja a linha de nossa experiência, é imprescindível que batalhemos fielmente com os problemas da vida conforme eles se nos apresentam. Também não basta que o façamos por um ano ou dois e depois voltemos à inatividade; devemos continuar trabalhando e esforçando-nos até o fim da vida.
Assim, a velha religião nórdica ensina a mesma lição transmitida por Paulo quando aconselhou "paciente perseverança em fazer o bem". Mesmo que compreendamos que não possuímos toda a verdade, mesmo que estejamos limitados pela separatividade - o egoísmo simbolizado pelo Anel de Niebelungo e por credos e convenções representados pelo Anel dos deuses - ainda assim, se cumprirmos nossa tarefa específica com o melhor de nossa capacidade através de toda nossa vida, temos a certeza de. estarmos em direção ao progresso numa era futura. Veremos mais claramente quando eliminarmos o véu do egoísmo; quando, com boa vontade, vivermos a vida aonde fomos colocados, pois os Anjos do Destino não cometem erros. Eles colocaram-nos no lugar onde devemos receber as lições necessárias e assim preparar-nos para uma esfera mais elevada e útil.
É evidente que a condição limitada da crença ditada pelas várias igrejas - a insistência sobre dogmas e rituais - não é o mal maior, como deve ter parecido a muitos. Na realidade, a necessária conseqüência das limitações que incidem sobre a existência material, através da qual o Espírito humano está agora passando, é que deve ser devidamente cuidada. Que o Espírito adquira tanta verdade quanto possa compreender e que ela seja benéfica para seu presente desenvolvimento. Não há necessidade de uma maior preocupação, pois ninguém ficará perdido. "Como em Deus vivemos, nos movemos e temos nosso ser", se alguém ficasse perdido, uma parte do Divino Autor do nosso sistema estaria também perdida, e esta é uma proposição inconcebível.
Mas, enquanto a maioria da humanidade está sendo orientada pelas religiões ortodoxas, há sempre alguns pioneiros - alguns cuja faculdade intuitiva fala-lhes de maiores alturas ainda não escaladas - que enxergam a luz do sol da verdade além da muralha do credo. Suas almas estão enfraquecidas pelos dogmas, e anseiam ardentemente pelo amor e pelas maçãs da juventude vendidas pelos deuses aos gigantes. Mesmo os deuses estão envelhecendo rapidamente, pois nenhuma religião que seja destituída de amor pode esperar reter a humanidade por qualquer período de tempo. Em conseqüência, os deuses foram forçados a procurar novamente os conselhos de Loge, o espírito da fraude, esperando que sua astúcia os libertasse dos dilemas. Loge conta-lhes como Albérico, o Niebelungo, conseguiu acumular um imenso tesouro escravizando seus irmãos. Com o consentimento dos deuses, ele usa de meios fraudulentos para capturar Albérico e força-o a restituir todos seus tesouros. Depois, aproveita-se da natureza avarenta dos gigantes e finalmente consegue resgatar Freya.
Assim, a maldição do Anel (egocentrismo e egoísmo) maculou até mesmo os deuses. Por causa do Anel (poder), Albérico, o Niebelungo, rejeitou o amor. Oprimiu seus irmãos e governou-os com disciplina férrea. A religião, por seu lado, renegou o amor vendendo Freya e enganando, aviltou-se para forçar os governantes do mundo a pagar tributo. Quando o Anel dos Niebelungos passou às mãos dos gigantes, o mau destino o acompanhou, pois um irmão mata o outro para ser o único possuidor das riquezas do mundo.
Os deuses, na verdade, resgataram Freya, mas ela não é mais a pura deusa do amor. Foi prostituída; portanto, ela é apenas a imagem do que foi, e não consegue satisfazer aqueles cuja intuição vêem além da aparência.
Na mitologia escandinava estes são chamados Walsungs. A primeira sílaba é derivada da palavra alemã wahlen, escolher, ou da escandinava vaelge. A última sílaba significa filhos. Eles são filhos do desejo por livre vontade e escolha, e querem escolher seu próprio caminho procurando seguir sua intuição divina.
Capítulo X
AS VALQUÍRIAS
"As Valquírias" é o nome da segunda parte do grande drama musical de Wagner, baseado no mito nórdico dos Niebelungos, e as portadoras do nome eram as filhas de Wotan, como também eram os Walsungs.
Este nome é bem apropriado quando compreendermos que a missão das Valquírias era ir onde lutas estivessem sendo travadas entre dois ou mais guerreiros, colocar os mortos em seus cavalos e levá-los ao Valhal. Portanto, um campo de batalha ou um lugar de combate era chamado Valplads, o lugar onde Wotan, o deus, escolhia os valentes que morriam lutando pela busca da verdade (como eles a viam), para serem seus companheiros no reino da bem-aventurança (como eles o concebiam). Brunilda, o espírito da verdade, era, portanto, a chefe dentre as Valquírias, a líder de suas irmãs, as outras virtudes. Era a filha favorita do deus Wotan.
Mas, quando os deuses restringiram-se e excluíram a universalidade da verdade pelo Anel do Credo e do dogma - simbolizados pelo Valhal - os Walsungs, que são antes de tudo os que procuram a verdade, rebelaram-se. Eles se manifestam sob diferentes aspectos, como é indicado pelos nomes que lhes são conferidos nos mitos nórdicos. A raiz de seu nome é Sieg, uma palavra alemã que significa vitória e é muito apropriada, pois não importa o que haja contra ela, no fim a verdade vencerá.
Siegmund, o corajoso, que é impelido a procurar a verdade, não importa quais as conseqüências, pode ser assassinado como resultado de sua audácia. Em breve saberemos como e porquê, Sieglinda, sua irmã e mais tarde sua esposa, que tem o mesmo anseio interior, mas não se atreve a seguí-lo abertamente, pode morrer em desespero. Ela transmite este anseio pela verdade ao descendente deles, Siegfried, aquele que através da vitória ganha a paz; assim, o que uma geração que procura a verdade não consegue realizar, futuramente será conseguida por seus descendentes e, por fim, a verdade triunfará sobre o credo e permanecerá suprema.
Não podemos deixar passar a oportunidade de descrever ou opinar sobre acontecimentos que serão apresentados na formosa lenda que temos diante de nós, mas não podemos abster-nos de repetir muitas vezes este pensamento glorioso: "Porque agora vemos como por um espelho, obscuramente". Embora as muralhas e as limitações da existência física acompanhem-nos em todas as direções, chegará o momento em que "veremos e conheceremos como também somos conhecidos".
Quando Siegmund, impelido pelo desejo incontrolável da busca da verdade, deixa o Valhal, Wotan fica enraivecido e para refrear o espírito independente dos Walsungs, ordena o casamento de Sieglinda com Hunding, que é o espírito do convencionalismo. Ela, desesperada, desmaia em seus braços, pois não tem coragem de deixar seus ancestrais como fez seu irmão. Como vemos, ela é o símbolo perfeito daqueles que, embora se revoltem no mais profundo de suas naturezas, estão casados com as convenções do mundo e têm medo de fazer uma mudança radical no código estabelecido pela igreja, temendo o que as pessoas possam pensar deles. Embora ultrajados no mais íntimo de suas naturezas e frustrados em suas mais santas aspirações, continuam a suportar o jugo do convencionalismo e servem a igreja para salvar as aparências.
Depois de algum tempo, Siegmund vem à casa de Hunding e encontra lá sua irmã. A princípio, não sabe quem ela é, mas quando se reconhecem, ele a convence a fugirem. Ambos sabem que este ato, este ultraje a Hunding, o espírito do convencionalismo, não será perdoado pelos deuses e, para fortalecerem-se na batalha que terão pela frente, levam consigo uma espada mágica chamada Nothung. Noth é necessidade ou infortúnio e ung, como já vimos, significa filho. Conseqüentemente, a espada é a filha do infortúnio, a coragem do desespero. Esta espada esteve enterrada até o punho em Yggdrasil pelo próprio Wotan, para prevenir uma emergência como esta. Para que possamos entender perfeitamente este lindo símbolo e a conduta aparentemente paradoxal de Wotan, será necessário elucidar o significado de Yggdrasil, a árvore da vida e do ser, como é explicado na mitologia escandinava.
Segundo o conceito deles, esta maravilhosa árvore eleva-se da Terra ao céu. Uma de suas raízes estava no submundo com Hel, uma terrível feiticeira que dominava aqueles que haviam morrido de enfermidade e não estavam, portanto, qualificados para habitar com Wotan no Valhal. Representam a classe de pessoas indolentes que negligenciam lutar até ao fim a batalha da vida. Hel tem três filhos e todos têm grande afinidade com ela, estando sempre combatendo os deuses, que se preocupam realmente com o bem estar dos homens. Eles são símbolos dos elementos que compõem o mundo material, onde a morte reina sozinha. Um é a serpente Midgaard, um monstro enorme circundando a Terra e mordendo sua própria cauda: é o oceano. O outro é o lobo Fenris, tão sutil, embora tão forte que nada pode detê-lo: ele representa a atmosfera que circunda a Terra e os ventos que não podem ser controlados. Loge, que já conhecemos, é o espírito do fogo, do engano e da ilusão. A outra raiz de Yggdrasil está no caos com os Gigantes de Gelo, de onde se originou todo este universo. A terceira raiz está com os deuses.
Debaixo da raiz que está com Hel, a serpente, Nidhog repousa roendo. É o espírito da inveja e da malícia que corrompe o bem. Nid significa inveja, e hog, cair. Como Yggdrasil, a árvore da vida em manifestação, vive pelo amor, a inveja e a malícia querem cortar a árvore e derrubá-la para a morte e para Hel. Mas, sob a raiz que está com os deuses encontra-se a fonte Urd, de onde as três Norns ou Parcas buscam a água da vida - o ímpeto espiritual - com a qual a árvore é regada e conserva suas folhas frescas e verdes. Os nomes destas três Parcas são Urd, Skuld e Verdende. Urd vem do alemão Ur, o passado, a origem ou estado virgem em relação ao homem e ao universo. Ela tece na roca o fio do destino gerado por nós no passado; e Skuld, que significa dívida, é a segunda Parca, que representa o presente. Urd entrega-lhe o fio do destino das vidas passadas que devemos expiar neste renascimento Em seguida, ele é dado a Verdende, a terceira Parca, cujo nome é derivado de werdende, a palavra alemã para o que há de vir. Ela representa o futuro, e quando o fio do destino, simbolizando a dívida paga na época atual é-lhe entregue, ela o parte, pedaço por pedaço. Assim, este maravilhoso símbolo diz-nos que, quando a causa gerada em vidas passadas produziu efeitos nesta vida, a dívida está cancelada para sempre.
A mitologia nórdica diz-nos que além destas três Parcas principais, haviam muitas outras e que cada uma assistia a um nascimento e cuidava do destino da criança que nascia. Sabemos também que essas Norns ou Parcas não trabalhavam seguindo a própria vontade, mas estavam sujeitas às ordens do invisível Orlog. O nome é uma corruptela da palavra Ur, que significa primordial, e log, lei. Sabemos que o símbolo nórdico ensina que as Parcas não estavam sujeitas aos deuses, e que nosso destino não é regido por capricho, mas por uma inexorável lei da Natureza, a Lei de Causa e Efeito.
Debaixo da terceira raiz, que estava com os Gigantes de Gelo, ficava o poço de Mime. Os Gigantes de Gelo, ou forças da natureza, existiram antes da criação da Terra. Ajudaram na sua formação e, conseqüentemente, sabiam muitas coisas que estavam ocultas aos deuses. Portanto, mesmo Wotan, o deus da sabedoria, tinha o hábito de ir beber no poço de Mime para que pudesse receber algum conhecimento do passado. Ele também precisava beber da fonte de Urd para poder renovar sua vida.
Constatamos que as Hierarquias que nos ajudam a evoluir estão também vivendo para aprender, e o próprio fato de que estão aprendendo, mostra que são passíveis de erro e justificam a razão por que Wotan, seu chefe, deveria providenciar a espada Nothung - a coragem do desespero - para que, numa emergência, aqueles contra quem ele errou, pudessem ter uma arma para se defender. Muito mais poderia ser dito sobre esta maravilhosa Arvore da Vida, o Yggdrasil, mas o estudante tem agora informações suficientes para capacitá-lo a compreender a relação da espada com o que vem a seguir.
Quando Siegmund e Sieglinda, fortificados com a espada mágica - a coragem do desespero - deixam a casa de Hunding - o espírito do convencionalismo - à procura da verdade no vasto mundo, o ultrajado Hunding não necessita do comando de Wotan para perseguí-los com a intenção de matá-los. Wotan ordena a Brunilda, a Valquíria, que esteja invisivelmente presente durante a esperada batalha e lute por Hunding, o espírito do convencionalismo. Mas, como o espírito da verdade não pode lutar contra aquele que procura a verdade, Brunilda, com pesar, recusa-se a obedecer as ordens de Wotan. Quando Siegmund se defronta com Hunding num combate mortal e está prestes a derrotá-lo, Wotan interpõe sua lança e, sobre esta, a espada Nothung é despedaçada e Siegmund, indefeso, é morto por um golpe de Hunding.
A verdade está sempre ao lado de quem a procura e também em sua batalha contra os convencionalismos da igreja e costumes sociais. Mas, quando o poder da religião, que forneceu a coragem do desespero necessária para defender suas convicções, contrapõe-se ao poder da crença, simbolizado pela lança de Wotan, muitas almas fervorosas são vencidas, embora não persuadidas. Siegmund pode morrer e Sieglinda pode seguí-lo até a sepultura com o coração partido, mas, assistida por Brunilda, dá a luz a Siegfried, o vitorioso. Como já mencionamos, a sede pela verdade, uma vez sentida, não pode ser saciada enquanto não for totalmente satisfeita.
Nesse ínterim, Wotan, impossibilitado de abandonar Valhal, o Anel do Credo, é forçado a afastar de si Brunilda, o espírito da verdade, que o desobedeceu, pois é uma condição do credo ser autocrático e não tolerar contestações. Como todas as religiões estão inerentemente imbuídas de um espírito de amor e um desejo sincero de beneficiar e elevar a humanidade, Wotan sente uma esmagadora tristeza por essa providência, que é necessária para a continuação da política por ele adotada e à qual ele adere apesar das angustiantes súplicas de Brunilda. É uma coisa terrível ter que separar-se da verdade, e ambos sentem muito mais do que as palavras podem expressar, quando o credo mesquinho obrigou Wotan a adormecer Brunilda, dizendo: "Nunca será despertada até que venha alguém mais livre do que eu".
Com essas palavras, ele revela o requisito principal para a busca da verdade. "A menos que um homem deixe pai e mãe", disse Cristo, "não pode tornar-se meu discípulo". Todas as limitações devem ser primeiramente eliminadas, para podermos obter sucesso na busca da verdade.

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